Conforme amplamente noticiado o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento concluído em 08/02/2023 entendeu sucintamente que decisões judiciais definitivas proferidas de forma favorável para contribuintes determinando o não pagamento de tributo exigido de forma continuada, ou seja, com recolhimentos periódicos, perdem seu efeito caso haja a mudança do posicionamento pela Suprema Corte.

A recente decisão que envolveu a análise de dois recursos extraordinários, RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), acarretou a necessidade de que as empresas confirmassem seus eventuais efeitos nas demonstrações financeiras, inclusive, em razão de a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), com determinações acolhidas pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade), ter fixado orientações determinando o registro de todas as questões tributárias que pudessem ser enquadradas no julgamento (Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/N° 01/23).

Vale considerar que a decisão de 08/02/2023 tratou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, cuja discussão da constitucionalidade foi iniciada ainda na década de 1990, com decisões transitadas em julgado reconhecendo a inconstitucionalidade da lei que a instituiu sendo inviável sua cobrança (Lei nº 7.689/88). Em 2007, porém, o STF declarou a constitucionalidade dessa norma na Ação de Declaração de Inconstitucionalidade nº 15. O entendimento ora manifestado pelos Ministros do STF é que a CSLL já era tida como constitucional desde 2007, e em decorrência, desde então seria devida e o passivo deveria ser provisionado mesmo pelas empresas com decisão transitada em julgado de forma favorável. Porém, considerando que no Brasil nunca houve situação similar para relativizar a coisa julgada, e considerando ser a provisão o registro de uma expectativa de perda, a provisão dos valores não vinha sendo efetuada pela maior parte das empresas que se beneficiavam do entendimento favorável.

Caso não modulados os efeitos da decisão de 08/02/2023 para que a nova tese do STF seja aplicada apenas para o futuro, e não para o passado, o que ainda se aguarda, possivelmente, através de novo pedido de modulação apresentado em Embargos de Declaração, a CSLL de fato será devida pelos contribuintes que se beneficiaram de decisões favoráveis a partir de 2007. Ainda há discussão se a CSLL poderia ser exigida apenas em relação aos últimos 05 (cinco) anos, não atingidos pela prescrição, ou se poderia ser exigida desde 2007, o que não tem se mostrado como o posicionamento mais aceito. Há ainda empresas cujas contribuições não recolhidas foram alvo de autos de infração o que também deve ser considerado.

Em que pese a decisão ter sido específica em relação à CSLL, o entendimento aplica-se a todas as decisões definitivas que sustaram o pagamento de tributos continuados e que tiveram seus resultados revertidos no STF. Temos o conhecimento de que algumas teses têm sido objeto de atenção pelas empresas. Podemos listar as seguintes:

(i)                  alguns casos de exclusão do ICMS na base do PIS e COFINS impetrados após março de 2017 (Tema 69).

Considerando que em 13/05/2021 o STF decidiu que é válida a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS a partir de 15/03/2017, conforme tese fixada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, em regime de repercussão geral (Tema 69), ressalvadas as ações e procedimentos judiciais e administrativos protocolados até esta data, as empresas que ingressaram com medida judicial após 15/03/2017 não possuem autorização para se aproveitar de créditos anteriores, conforme o entendimento manifestado pelo STF.

Vale dispor que inúmeras empresas ingressaram com medida judicial após 15/03/2017 e tiveram ações transitadas em julgado reconhecendo o direito ao crédito nos 05 (cinco) anos que antecederam a propositura das ações. O PGFN, inclusive, ingressou com inúmeras rescisórias para adequar as decisões ao entendimento do STF. Conforme o entendimento do STF de 08/02/2023, porém, independente da rescisória o aproveitamento dos créditos somente pode ocorrer após 15/03/2017.

(ii)                IPI na revenda de produtos importados (Tema 906).

O STF confirmou a constitucionalidade da incidência IPI no desembaraço aduaneiro de produto industrializado e também na sua saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno. Por maioria de votos, a Corte negou provimento aos Recursos Extraordinários nºs 979626 e 946648, julgados em conjunto, em julgamento concluído no dia 21/8/2020. O RE 946648 teve repercussão geral reconhecida (Tema 906).

O colegiado, nos termos do voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, entendeu que a incidência do tributo nas duas fases não representa dupla tributação e não resulta em ofensa ao princípio da isonomia tributária. A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “É constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno”.

(iii)               contribuição previdenciária sobre 1/3 de férias (Tema 985).

Durante os dias de 21 a 28 de agosto de 2020, em Plenário Virtual o STF firmava sua tese do Tema 985, por maioria de votos, que “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”. Ou seja, sobre o 1/3 de férias pagas junto com as férias do empregado incide INSS da cota patronal.

Desde março de 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia fixado a Tese Vinculante 479 no sentido contrário (de que 1/3 das férias é de natureza indenizatória e não gera recolhimento de INSS) e que vinha sendo replicada pelos Tribunais Regionais. Em 2016, o próprio STF negou repercussão geral ao Tema 908 que abordava a incidência de INSS cota empregado sobre o terço de férias por entender que se tratava de matéria infraconstitucional.

(iv)               CSLL na exportação (Tema 8).

Por seis votos a cinco, o STF decidiu em 12/08/2010 que a cobrança da CSLL incide sobre o lucro obtido por empresas exportadoras. Os ministros definiram que receita não é lucro. Logo, o dispositivo constitucional que prevê imunidade da cobrança de contribuição sobre as receitas obtidas com exportações não se aplica à CSLL. O voto do ministro Joaquim Barbosa desempatou o julgamento.

Por nove votos a dois, os ministros também definiram que a cobrança de contribuição sobre a movimentação financeira dessas receitas é legítima. Apenas o ministro Marco Aurélio e o presidente do STF, Cezar Peluso, votaram contra a incidência da CPMF nas receitas obtidas com exportações.

Venceu a tese de que o contribuinte não tem o direito de excluir da base de cálculo da CSLL e da CPMF as receitas oriundas das operações de exportação efetuadas a partir da EC 33/2001, pois sua base de cálculo é o lucro líquido, que não se confunde com a receita. Se as receitas derivadas de exportações são imunes a contribuições, isso não implica que o lucro advindo dessas receitas também o seja, pois receita e lucro não se confundem.

(v)                COFINS sobre prestação de serviço legalmente regulamentado (Tema 71).

É legítima a revogação da isenção estabelecida no art. 6º, II, da Lei Complementar 70/1991 pelo art. 56 da Lei 9.430/1996, dado que a LC 70/1991 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. Assim a isenção do pagamento pelas sociedades civis elencadas no Decreto Lei n. 2.397/87 (tipo “clínica de médicos”, “banca de advocacia”, “escritório contábil”, etc.) deixou de ser aplicada conforme entendimento do STF.

Estes e outros casos, nos quais há contribuintes se beneficiando de decisões favoráveis, dada a mudança de orientação pelo STF, mesmo que tais decisões não tenham sido objeto de ações rescisórias pela PGFN, conforme entendimento do STF de 08/02/2023, podem culminar na exigência dos tributos não pagos com base nas decisões judicias pretéritas.

Nossa primeira recomendação é que cada empresa avalie as discussões judiciais pretéritas e atuais que possua, visando inicialmente confirmar, se aufere algum benefício delas decorrentes. Caso positiva esta avaliação, ou seja, havendo algum benefício oriundo de decisão judicial, deve ser confirmado se há alguma mudança de orientação em relação a esta discussão procedida. E neste caso, os efeitos desta modificação em consideração ao caso concreto.

É certo que novas discussões poderão ser necessárias para esclarecer em que medida a decisão transitada em julgado se tornará ineficaz em razão do novo entendimento do STF. Importante destacar que até que haja a modificação do entendimento sobre determinada matéria pelo STF a decisão favorável permanece produzindo seus regulares efeitos. Ainda, importante destacar que deve ser observada a irretroatividade, a anterioridade anual e a nonagesimal, ou seja, o novo entendimento do STF somente poderia ser aplicado no exercício seguinte, ou, como no caso das contribuições, após 90 (noventa) dias.

Vale ainda mencionar que há possibilidade que as autoridades fiscais passem a exigir multa e juros pelo atraso no pagamento dos tributos o que poderá ser questionado.

Aproveitamos para destacar que temos a expertise e nos colocamos à disposição para auxiliar qualquer empresa que queira realizar a avaliação necessária dos impactos da decisão do STF do dia 08/02/2023 em suas demonstrações contábeis e financeiras.

 

Patrícia Giacomin Pádua

Advogada da Área Tributária de Stüssi Neves Advogados – São Paulo

patricia.padua@stussinevessp.com.br