I – Introdução

Prezados amigos e clientes,

esperamos que todos estejam bem, com saúde e se recuperando do período difícil da Pandemia.

Nessa Newsletter abordamos vários assuntos que estão em discussão no mundo jurídico. Falamos sobre alguns cuidados que devemos ter nos contratos de prestação de serviços, sobre a obrigação de designar um “DPO”, sobre a aplicabilidade da “Tese do Século” ao ISS, se o empregado tem direito à manutenção do plano de saúde corporativo e também sobre a assinatura do Brasil da Convenção de Singapura sobre Mediação nas Nações Unidas.

Boa leitura e a equipe Stüssi-Neves está à sua disposição para qualquer esclarecimento.

Cordialmente,

Gustavo Stüssi Neves
gustavo.stussi@stussinevessp.com.br

II – Matérias

1. A resilição unilateral de contratos de prestação de serviços com prazo determinado

Contratos envolvendo prestação de serviços são celebrados todos os dias e existem incontáveis modelos desse tipo de contrato, os quais são utilizados no dia a dia das empresas.

Ocorre que, justamente por serem bastante habituais, os contratos vão sendo adaptados de acordo com as necessidades específicas de cada negócio e disto surgem algumas distorções e impropriedades técnicas, culminando com a geração de certos riscos, que passam despercebidos no momento da formalização de tais contratos.

Uma dessas situações, vista com bastante frequência, é a previsão de possibilidade de resilição unilateral e imotivada de contratos com prazo determinado, sem nenhuma penalidade. Assim, é comum vermos cláusulas estabelecendo que qualquer das partes pode sair da relação, a qualquer tempo, bastando que comunique sua decisão à outra parte, muitas vezes devendo apenas conceder um prazo de aviso prévio, sem a necessidade de respeitar o prazo inicialmente de vigência estabelecido para tal relação.

Esse tipo de previsão pode levar as partes a verdadeiras armadilhas, pois tem-se a impressão que a resilição unilateral pode ser feita sem qualquer consequência, mas muitos juristas entendem que o término prematuro e imotivado sempre daria direito de indenização à parte inocente, conforme o disposto no Código Civil, em seus artigos 602 e 603, a saber:

Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra.

Parágrafo único. Se se despedir sem justa causa, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos. O mesmo dar-se-á, se despedido por justa causa.

Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

A Justiça brasileira ainda não tem um posicionamento pacífico sobre o tema, estando justamente em discussão no Superior Tribunal de Justiça a necessidade de definir (i) se é legal a cláusula do contrato de prestação de serviços por termo determinado que autoriza a rescisão unilateral do ajuste, com renúncia a qualquer tipo de indenização, desde que havida a notificação prévia do outro contratante e (ii) se a parte que celebra esse tipo de negócio jurídico, concordando com cláusula expressa de renúncia à indenização, na hipótese de rescisão imotivada e prematura, incorre em comportamento contraditório (violação à boa-fé objetiva) ao postular a indenização em juízo.

Atualmente, há muitas decisões que impõem a obrigação de arcar com indenização à parte que tomou a decisão de sair da relação prematuramente, mesmo que o contrato afaste expressamente qualquer penalidade ou indenização.

Como se vê, algo que parece simples pode esconder contingências importantes.

Assim, enquanto não houver um posicionamento uniforme dos nossos tribunais, recomenda-se que as partes tenham atenção redobrada no momento de celebrarem seus contratos e avaliem potenciais riscos decorrentes de eventual encerramento prematuro de relações com prazo determinado.

Uma alternativa poderia ser a formalização de contratos com prazo indeterminado, com previsão de saída mediante simples cumprimento de aviso prévio definido em conjunto pelas partes, o que pode afastar o risco de pagamento de indenizações pelo término. Contudo, o cabimento desta alternativa deve ser verificado de acordo com cada caso concreto e sob a orientação de um profissional da área de Direito, pois mesmo os contratos com prazo indeterminado podem gerar obrigações adicionais se, por exemplo, o aviso prévio não for compatível com expectativas criadas no início da contratação ou investimentos feitos pelas partes.

A discussão sobre encerramento de contratos com prazo indeterminado fica para um próximo artigo.

Charles Wowk
Sócio da Área Cível de Stüssi Neves Advogados – São Paulo
charles.wowk@stussinevessp.com.br

2. O encarregado de tratamento dados pessoais (Data Protection Officer – DPO) brasileiro.

O encarregado de tratamento de dados pessoais é uma pessoa indicada pela empresa que, basicamente, será o responsável pela comunicação entre ela, o titular dos dados pessoais e a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que fiscaliza o cumprimento da Lei no 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.

O artigo 41 da LGPD obriga todas as empresas a designarem um encarregado de tratamento de dados pessoais, também conhecido como Data Protection Officer (DPO) pela legislação europeia.

Por ora, não há exceções à regra referida no parágrafo antecedente, muito embora o tema já esteja sob consulta pública, para exoneração dos agentes de tratamento de pequeno porte, como as microempresas, as empresas de pequeno porte, as startups e as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, pessoas naturais e entes despersonalizados. Caso estes agentes de tratamento de pequeno porte não indiquem um encarregado, estuda-se, ainda, a obrigação de, ao menos, disponibilizar um canal de comunicação com o titular de dados.

Ressalte-se que a exoneração acima mencionada é apenas quanto ao encarregado de tratamento dados pessoais. A LGPD não deixará de ser aplicada aos agentes de tratamento de pequeno porte.

A ANPD não concluiu esta consulta pública e, portanto, o seu parecer ainda não foi divulgado.

O que faz um DPO? De acordo com os parágrafos do já citado artigo 41, cabe a ele 1) aceitar reclamações e comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos e adotar providências, 2) receber comunicações da autoridade nacional e adotar providências, 3) orientar os funcionários e os contratados da entidade a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção de dados pessoais e 4) executar as demais atribuições determinadas pelo controlador ou estabelecidas em normas complementares.

É possível terceirizar o encarregado de tratamento de dados pessoais no Brasil? A LGPD não veda a terceirização do encarregado de dados. Portanto, não é imperativo que ele seja empregado da empresa.

Desta forma, sendo possível a contratação de um DPO externo, os empregados da empresa podem se concentrar no core business da empresa, não os sobrecarregando ou mesmo desvirtuando seus contratos de trabalho, o que pode atrair consequências legais, como o pagamento de adicional remuneratório por desvio da função original ou dupla atividade.

Logicamente, que a contratação de um DPO, como empregado regular da empresa, se justifica quando o seu porte e o volume de tratamento de dados são expressivos, de tal forma que esse profissional se dedicará apenas a esta função.

A Ordem dos Advogados do Brasil, em resposta à Consulta no E-5.537/2021, autorizou os advogados a exercerem oficialmente as atividades de DPO.

As penalidades pelo descumprimento da LGPD já estão em vigor, desde o início do último mês de agosto, inclusive quanto à ausência do encarregado, com multas que podem chegar a R$ 50 milhões, além de indenizações por danos patrimonial, moral, individual ou coletivo.

A equipe do Stüssi-Neves Advogados está à disposição para prestar qualquer esclarecimento adicional sobre o tema em referência.

Fernando Seiji Mihara e Maria Lúcia Menezes Gadotti
Advogado e Sócia da Área Trabalhista de Stüssi Neves Advogados – São Paulo
fernando.mihara@stussinevessp.com.br e marialucia.gadotti@stussinevessp.com.br

3. Tribunais Regionais Federais estão aplicando, por analogia, a modulação dos efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo PIS/COFINS também aos casos do ISS

Em 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 574.706/PR e finalmente decidiu que o ICMS não deve fazer parte da base de cálculo do PIS e da COFINS, após quase 15 (quinze) anos de idas e vindas na solução da chamada “Tese do Século”.

Como rotineiramente tem feito em casos com razoável impacto fiscal, a Corte Suprema acabou modulando os efeitos do julgamento, visando a reduzir os prejuízos aos cofres públicos. Em 13 de maio do presente ano, o STF decidiu pela modulação dos efeitos da sua decisão anterior, atribuindo efeitos prospectivos ao julgamento de mérito finalizado em 15/03/2017, ressalvado o direito dos contribuintes com ações ajuizadas até a respectiva data.

Em razão da vitória histórica e paradigmática dos contribuintes, nutre-se uma grande expectativa também para o julgamento da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS, posto que as razões de decidir são absolutamente idênticas à tese do ICMS.

Ressalte-se que, quanto à exclusão do ISS da base do PIS e da COFINS, o julgamento virtual havia sido iniciado, com placar de votos lançados em 4 a 4, mas acabou sendo interrompido após o pedido de destaque do Ministro Luiz Fux.

De toda forma, antecipando-se ao Supremo no julgamento do tema, alguns Tribunais Regionais Federais abriram precedente inédito e um tanto quanto surpreendente ao aplicar, por analogia, os efeitos da modulação supracitada à tese de exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS, aplicando também para este caso o efeito prospectivo do julgamento de março de 2017, salvo ajuizamento de medida judicial anterior.

Ao que nos parece, é um tanto equivocada a aplicação direta e inédita da modulação de efeitos por uma Corte Regional e ainda por cima se valendo de analogia, especialmente pela natureza excepcional do instituto da modulação.

A excepcionalidade da medida é reiteradamente destacada pela Corte Suprema, sempre no sentido de ser necessária a comprovação da presença de elementos excepcionais que justifiquem a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, que, via de regra, operam ex tunc – excepcionalidade esta que é absolutamente incompatível com o emprego da analogia.

Além do mais, a limitação dos efeitos jurídicos do caso relativo ao ISS tomando como base a data do julgamento do que trata do ICMS, além de contrária aos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança, não- surpresa, dentre outros, acaba por beneficiar indevidamente a mesma União que notoriamente defende a independência entre os casos. Em verdade, mesmo após o julgamento do RE 574.706/PR, ocorrido em 15/03/2017, quando instada pelo Ministro Relator Celso de Mello a se manifestar nos autos do RE 592.616/RS em virtude da publicação do acórdão proferido naqueles autos, a União houve por bem seguir na discussão do Tema 118, limitando-se a requerer que se aguardasse o trânsito em julgado do caso relativo ao ICMS antes de se analisar o impacto daquele julgamento sobre a tese afeta ao ISS.

Ademais, é de se ressaltar que tanto a analogia aqui tratada é descabida, que, mesmo após a solução em Repercussão Geral do RE 574.706/PR ter transitado em julgado, o Ministro Dias Tóffoli votou recentemente no RE 592.616/RS contra a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS valendo-se de argumentos e fundamentos que não se aplicariam ao caso relativo ao ICMS, comprovando que a similitude das teses não significa identidade completa e perfeita.

Desta forma, não se pode, genericamente, transpor os efeitos da modulação entre casos distintos, sob pena de desnaturação do instituto jurídico. Especialmente porque, neste caso, sequer há pronunciamento do STF – instância jurídica competente para aferir a modulação – no sentido da aplicação por analogia da tese de mérito relativa ao ICMS à exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS, quanto mais sobre eventual modulação.

A equipe do Stüssi-Neves Advogados está à disposição para prestar qualquer esclarecimento adicional sobre o tema em referência.

Thiago Peluso Rossi e Caio Magalhães Chaves Barbosa
Sócio e Advogado da Área Tributária de Stüssi Neves Advogados – Rio de Janeiro
thiagorossi@stussi-neves.com e caiobarbosa@stussi-neves.com

4. Extensão do plano de saúde após o término do contrato de trabalho por mútuo acordo

As relações de emprego são dinâmicas e é absolutamente comum o encerramento de contratos de trabalho, seja por vontade do empregado, que eventualmente aceitou uma oferta mais vantajosa de outra companhia, seja por decisão estratégica da empregadora.

Também é comum que empregadoras ofereçam a seus empregados plano de saúde coletivo empresarial, sendo este benefício muito valorizado pelos colaboradores e considerado um diferencial para atração de profissionais.

Uma vez encerrado o contrato de trabalho por prazo indeterminado, ao empregado pode ser oferecida a possibilidade de permanência na condição de beneficiário do plano de saúde coletivo empresarial. Com efeito, a Lei Federal no 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, assegura a manutenção do ex-empregado no plano de saúde de sua ex-empregadora pelo prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, desde que ele tenha contribuído para o custeio desse benefício ao longo da contratualidade e assuma o pagamento integral dos valores mensais referentes à sua permanência e a de seus familiares, se houver. Planos gratuitos ou que estabeleçam coparticipação estão excluídos dessa faculdade legal.

Todavia, quando o contrato de trabalho é encerrado por acordo, as seguradoras costumam negar a extensão do plano de saúde ao ex-empregado, amparando tal decisão na Resolução Normativa no 279, de 27 de novembro de 2011, da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que prevê, em seu artigo 4o, as hipóteses de manutenção do plano de saúde ao ex-empregado:

Art. 4o. É assegurado ao ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa que contribuiu para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do artigo 1o da Lei no 9.656, de 1998, contratados a partir de 2 de janeiro de 1999, em decorrência de vínculo empregatício, o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

No entanto, não há qualquer motivo que impeça um ex-empregado, que teve seu vínculo empregatício rescindido por acordo, sem configuração de qualquer justa causa ou pedido de demissão, de valer-se do direito de permanecer no plano de saúde de sua ex-empregadora, desde que atendidos os demais pressupostos legais antes referidos.

Em primeiro lugar, cumpre observar que rescisão do contrato de trabalho, nada mais é, senão, o término da relação entre empregador e empregado, o que, normalmente, acontece por decisão de uma das partes ou de ambas. Assim, rescisão do contrato de trabalho é gênero, do qual a dispensa sem justa causa e o acordo são espécies.

Importante salientar que o encerramento do contrato de trabalho por acordo, ou seja, sem justa causa, possui amparo no art. 484-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzido pela Reforma Trabalhista, vigente desde 11 de novembro de 2017. Já a Resolução Normativa no 279 da ANS, que regulamentou os artigos 30 e 31 da Lei no 9.656, entrou em vigor em 01.06.2012.

Desta forma, obviamente não tinha como a Lei Federal no 9.656 e a Resolução Normativa no 279 tratarem de uma situação (acordo previsto no art. 484-A da CLT) que ainda não existia no ordenamento jurídico.

Não se pode olvidar, portanto, que a Lei no 9.656/1998 é defasada, pois, atualmente, a extinção do contrato de trabalho por acordo entre as partes é possibilidade expressa de rescisão do contrato de trabalho prevista na Consolidação das Leis do Trabalho.

Ainda que àquela época não se incluísse – nas hipóteses do artigo 30 da Lei no 9.656 – o acordo entre as partes para extinção do contrato de trabalho, por ausência de previsão legislativa, em atenção à máxima irrefutável de que a Lei deve acompanhar a evolução da sociedade, inarredável é a necessidade de interpretação daquele artigo com base na realidade atual do ordenamento jurídico brasileiro.

Sendo assim, como o art. 484-A da CLT é posterior à Lei Federal no 9.656/1998, é evidente que esta norma não tratou de uma questão que sequer existia ao tempo de sua promulgação.

Inclusive, a doutrina e jurisprudência trabalhistas são pacíficas no sentido de que a natureza jurídica da extinção do contrato de trabalho, por acordo entre as partes, é equivalente à rescisão sem justa causa pelo empregador. Isto porque, na extinção do contrato de trabalho por mútuo acordo são devidas praticamente as mesmas verbas rescisórias previstas na rescisão sem justa causa, ainda que em proporção menor.

Luiz Adolfo Salioni Mello e Maria Lúcia Menezes Gadotti
Advogado da Área Cível e Sócia da Área Trabalhista de Stüssi Neves Advogados – São Paulo
luiz.mello@stussinevessp.com.br e marialucia.gadotti@stussinevessp.com.br

5. Brasil assina a Convenção de Singapura sobre Mediação das Nações Unidas

Em 04 de junho de 2021, o Brasil se tornou o 54o país signatário da Convenção sobre Acordos de Liquidação Internacional Resultantes de Mediação (Convenção de Singapura) das Nações Unidas, em vigor desde 12 de setembro de 2020.

Fruto dos debates e reuniões da Comissão das Nações Unidas Sobre Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL), a Convenção de Singapura preenche uma notável lacuna a respeito da execução transfronteiriça de acordos privados frutos da mediação internacional – situação que dificultava não só o estreitamento das relações comerciais entre as nações como o próprio prestígio do método consensual de resolução de conflitos não adversarial.

Com efeito, o propósito da Convenção, a exemplo do que foi a Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque, 1958) para a arbitragem internacional, é conferir certeza e executoriedade aos acordos escritos provenientes da mediação em matéria de comércio internacional.

É bem verdade que a mediação, regulada no Brasil pela Lei n° 13.140/2015, pelo Código de Processo Civil e pela Resolução n° 125/100 do Conselho Nacional de Justiça, oferece vantagens conhecidas e consideráveis às partes: confidencialidade, desburocratização, menores custos – em regra, quando comparados ao processo judicial e/ou arbitragem – e, por fim, o poder que os mediandos têm, com a ajuda do mediador, de chegarem a um desfecho customizado, não se submetendo ao arbítrio de um terceiro (seja juiz ou árbitro).

Por outro lado, em que pese os referidos benefícios e a robusta legislação interna, bem como a sua ampla utilização em disputas domésticas, os atores internacionais se questionavam quanto à ausência de uma eficiente regulamentação que assegurasse o reconhecimento e execução transfronteiriça de acordos comerciais mediados.

Nesse contexto, a adesão do Brasil ao tratado em questão, juntando-se a sólidos parceiros comerciais como a China, Índia e Estados Unidos, só tende a trazer benefícios do ponto de vista econômico, notadamente porque partes e investidores estrangeiros terão maior segurança jurídica na mediação comercial internacional caso desejem submeter suas disputas ao método.

O seu escopo de aplicação, contudo, é restrito: nos termos do art. 1o, II, (a) e (b) da Convenção, estão excluídos os acordos provenientes de litígios consumeristas, de família, sucessórios ou trabalhistas. Também ficam de fora do alcance da Convenção, com fundamento no art. 1o, III, (a), (i), (ii) e (b), os termos de acordo aprovados por um tribunal ou concluídos no curso de uma ação perante um tribunal; acordos que sejam executáveis como sentença no Estado daquele tribunal e acordos que são executáveis como sentença arbitral.

Ademais, a parte que desejar executar o acordo, à luz da Convenção, deverá apresentar o termo de acordo entre as partes, de forma escrita, bem como a prova de que se chegou a ele por meio da mediação, cuja evidência poderá ser demonstrada por (i) assinatura do mediador; (ii) declaração da instituição onde aconteceu a mediação; (iii) outra evidência aceitável pela autoridade competente.

Nada obstante a segurança jurídica que se pretende trazer com a aplicação da Convenção, o seu art. 5o prevê um rol taxativo de hipóteses em que a parte contra a qual se pretende a execução do acordo corporativo mediado poderá alegar em sua defesa: (i) incapacidade de alguma das partes envolvidas no acordo; (ii) acordo nulo, sem efeito, inoperante ou incapaz de ser executado de acordo com a lei a que as partes se sujeitaram validamente; (iii) acordo não vinculante ou não definitivo, consoante seus próprios termos; (iv) ter sido o acordo modificado posteriormente; (v) terem sido as obrigações do acordo realizadas, ou não serem claras ou compreensíveis; (vi) ter havido falha do mediador quanto à divulgação de informações a respeito de sua imparcialidade ou independência.

Considerando, ainda, que de acordo com o art. 3o da Convenção, as partes deverão executar o termo de acordo em consonância com seus regulamentos processuais internos, o acordo de mediação internacional incorporaria a natureza jurídica de título executivo extrajudicial, consoante os termos do parágrafo único de seu art. 20 da Lei de Mediação: O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial. De outro giro, recorrendo-se à redação do art. 784, §2o do CPC, o referido título dispensaria a homologação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para ser executado. Restaria sem efeito, contudo, a segunda parte do §3o do mesmo art. 784, ao prever que o título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação.

Em que pese o Brasil tenha se tornado signatário – ato de manifestação de vontade do representante do Estado que considera um tratado aprovado -, para que a Convenção possa efetivamente ingressar no ordenamento jurídico brasileiro é necessário cumprir ainda alguns requisitos: (i) aprovação pelas 2 (duas) casas do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, nos termos do art. 49, inciso I da CRFB/88; (ii) ratificação e promulgação, pelo Presidente da República, mediante decreto presencial; (iii) publicação do decreto presidencial em Diário Oficial da União.

Caso tais etapas se confirmem, o que ainda poderá levar alguns meses, espera-se que o Brasil, já considerado um país arbitration friendly, dê passos largos em direção ao fomento da cultura não adversarial, sendo referência, num futuro próximo, no uso de métodos consensuais de resolução de conflitos.

Matheus Araujo Oliveira e Thiago Stüssi LL.M. (Berlin)
Advogados da Área Cível de Stüssi Neves Advogados – Rio de Janeiro
matheusoliveira@stussi-neves.com e thiagostussi@stussi-neves.com